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Ciência da Psicologia
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Adolescência e paternidade saudável: presença, limites e a herança invisível dos afetos

Como o afeto masculino pode (e deve) ultraar a presença física e transformar a forma de educar emocionalmente

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

07/05/2025 16h57

adolescencia

Foto: Divulgação/Netflix

Damos continuidade à série de quatro colunas que analisa a série Adolescência, escrita pelas professoras Heloisa de Vivo, Ângela Anastácio, e pelo professor Vitor Barros, da Unieuro. Este é o terceiro texto da sequência.

Na trama, Eddie — pai de Jamie — é, à primeira vista, um homem presente. Trabalha, participa da vida familiar e demonstra carinho. Mas, à medida que os episódios avançam, surge uma pergunta incômoda: o quanto ele realmente conhece o próprio filho? E mais — está emocionalmente disponível para reconhecer a dor que Jamie carrega, mesmo quando ela se esconde atrás de um “tá tudo bem”?

Esse dilema não pertence apenas à ficção. Muitos pais amam profundamente seus filhos, mas cresceram aprendendo a demonstrar afeto de forma contida, prática, quase silenciosa. No universo masculino tradicional, falar de sentimentos, itir fragilidades e criar intimidade emocional ainda é visto, muitas vezes, como sinal de fraqueza.

No entanto, uma paternidade saudável exige mais do que presença física. Exige escuta ativa, envolvimento afetivo e disposição para se reeducar enquanto educa.

Eddie, como revela em conversa com a esposa, foi criado em um ambiente familiar violento. Decide, então, ser diferente do pai. E é — em partes. A série mostra que não basta romper com os traumas: é preciso aprender o que pode ser melhor.

Paternidade saudável não é só ausência de violência. É construção ativa de vínculos seguros, com limites consistentes, escuta verdadeira e disponibilidade emocional. Homens que não foram ensinados a amar com presença tendem a acreditar que proteger ou prover é suficiente. Mas filhos e filhas aprendem, sobretudo, com o que vivenciam.

Jamie a horas trancado no quarto. Não por querer se afastar da família, mas por não saber como se aproximar. Os pais interpretam isso como algo “típico da adolescência”. Contudo, como alerta o psicólogo Fabiano Agrela nas reportagens analisadas, esse isolamento pode ser um pedido de socorro silencioso.

Em muitos lares, a porta fechada do quarto simboliza uma relação interrompida. E os pais, por medo de invadir ou por falta de repertório emocional, preferem respeitar a “privacidade” — sem perceber que, às vezes, essa porta é um pedido inconsciente de ajuda.

O pacto da masculinidade: entre pais e filhos homens

Criar meninos traz um desafio particular: romper com o pacto da masculinidade tóxica. Homens que cresceram sob rigidez emocional tendem a reproduzir esse padrão com os filhos, mesmo que de maneira sutil — exigindo desempenho, evitando conversas sobre sentimentos, usando o humor como defesa ou corrigindo com ironia.

Mas a virada acontece quando o pai se permite ser exemplo de humanidade. Como revela Carlos, pai de uma adolescente, a mudança começa quando o homem ite seus limites, fala sobre o que sente e se revê constantemente. É esse modelo que os meninos precisam para crescer com empatia, ética e vínculo real.

A masculinidade tradicional associa paternidade à autoridade. Já a Psicologia nos mostra que o desenvolvimento saudável depende de relações pautadas no cuidado. Pais que acompanham o universo digital dos filhos, falam sobre frustrações e estabelecem limites com empatia constroem algo maior que segurança: formam pessoas capazes de amar.

Uma paternidade saudável:

  • Não evita conversas difíceis;

  • Não delega às mães ou à escola a tarefa de educar emocionalmente os filhos;

  • Não teme o afeto, o choro, a dúvida;

  • Aprende a pedir desculpas e a dizer “não” com firmeza e afeto.

Direcionamentos possíveis

1. Paternidade como função ativa
Participar das decisões, estar presente nas conversas, acompanhar a rotina, a escola, os amigos, os medos e descobertas dos filhos.

2. Mediação digital ativa e respeitosa
Conhecer os conteúdos ados pelos filhos, conversar sobre redes sociais e estabelecer regras coletivas para o uso consciente.

3. Educação emocional em casa
Criar momentos semanais para conversar sobre sentimentos, sem julgamentos. Mostrar que sentir é parte da vida — e que falar sobre isso é seguro.

4. Grupos de apoio à paternidade
Participar de rodas de conversa com outros homens, trocando experiências, dúvidas e conquistas na jornada paterna.

5. Cuidado com a saúde mental do pai
Pais também sofrem, adoecem e precisam de apoio. Cuidar de si é parte do cuidado com os filhos.

Jamie poderia ter sido ouvido antes. Poderia ter aprendido a nomear o que sentia. A tragédia revelada em Adolescência mostra que amar um filho não basta: é preciso demonstrar esse amor de forma ativa, ética e consistente.

Paternidade saudável não se mede pela ausência de erros, mas pela disposição em escutar, revisar e estar presente. No fim, o que os filhos mais se lembram não são as broncas nem os presentes — mas de quem esteve lá, de verdade, quando tudo parecia confuso.

Se a régua com que medimos o que é ser homem for a paternidade que exercemos, talvez possamos formar uma geração de meninos menos perdidos — e de meninas mais protegidas.

Até a próxima.

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