Recentemente, durante uma pré-apresentação de trabalhos no curso de Psicologia onde leciono, notei algo que despertou minha atenção: a palavra meritocracia foi mencionada e severamente criticada pelos profissionais presentes. Essa não foi a primeira vez que testemunhei tal fenômeno; em um dos grupos de psicólogos dos quais participo, o mesmo ocorreu.
Talvez minha formação diversificada e a experiência em diferentes áreas além da psicologia me proporcionem uma perspectiva distinta dos demais colegas. Isso me motivou a explorar esse tema na coluna desta semana.
O que é meritocracia?
A meritocracia é um sistema em que o no qual o progresso e as recompensas são determinados pelo mérito individual, geralmente medido por meio de habilidades, desempenho e competência (Bell, 1972). Em muitas sociedades, esse conceito é promovido como um modelo ideal para alcançar justiça social e eficiência econômica.
No entanto, sua aplicabilidade e justiça são frequentemente questionadas. Nesta coluna, proponho uma defesa da meritocracia, destacando seus benefícios e abordando as principais críticas que ela recebe. Meu objetivo não é confrontar ou desqualificar outras opiniões, mas sim mostrar que existem diferentes perspectivas sobre o mesmo fenômeno. Como profissionais da psicologia e da educação, devemos evitar que apenas uma opinião se sobressaia, sob o risco de levarmos às salas de aula uma interpretação ideológica.
Princípios fundamentais da meritocracia
Voltando ao ponto central, para compreender esse fenômeno, é crucial conhecer seus três princípios fundamentais: igualdade de oportunidades, recompensas baseadas no mérito e mobilidade social (Young, 1958).
Esses princípios pressupõem que todos os indivíduos tenham igual o aos recursos e oportunidades, e que suas conquistas sejam recompensadas de acordo com seu mérito.
- Igualdade de Oportunidades
A meritocracia pressupõe que todos os indivíduos devem ter o igualitário às oportunidades educacionais e profissionais, garantindo que o mérito seja o único fator determinante no sucesso individual (Sandell, 2007). - Recompensas Baseadas no Mérito
As recompensas, sejam financeiras ou de status, devem ser proporcionais ao desempenho e à contribuição individual, incentivando a excelência e a inovação (Littler, 2018).
- Mobilidade Social
Um sistema meritocrático facilita a mobilidade social ao permitir que indivíduos talentosos e esforçados ascendam na hierarquia social, independentemente de sua origem socioeconômica (Mijs, 2021).
Benefícios da meritocracia
Assim, podemos ver que a meritocracia oferece vários benefícios que a tornam um sistema atraente tanto do ponto de vista econômico quanto social. Dentre eles, temos:
- Incentivo ao Desempenho
Ao recompensar o mérito, a meritocracia incentiva os indivíduos a se esforçarem e se aprimorarem, promovendo a produtividade e a inovação (Littler, 2018). - Justiça Social
Promove a justiça ao garantir que as oportunidades sejam distribuídas com base no mérito, e não em fatores arbitrários como classe social, raça ou gênero (Sandell, 2007). - Eficiência Econômica
Ao alocar recursos humanos de maneira mais eficiente, a meritocracia contribui para o crescimento econômico e a competitividade global (Bell, 1972).

Críticas à meritocracia
Apesar de seus benefícios, a meritocracia enfrenta críticas significativas. Entre as principais estão a perpetuação das desigualdades existentes, a falsa noção de igualdade de oportunidades e o impacto psicológico negativo sobre os indivíduos que não conseguem ascender socialmente (Mijs, 2021).
- Desigualdade de Oportunidades
Críticos argumentam que a meritocracia falha em reconhecer as desigualdades estruturais que impedem a igualdade de oportunidades reais, como o o desigual à educação de qualidade (Littler, 2018). - Mérito Subjetivo
O conceito de mérito pode ser subjetivo e influenciado por preconceitos, o que pode levar a uma distribuição injusta de recompensas (Sandell, 2007). - Impacto Psicológico
A pressão para ter sucesso em um sistema meritocrático pode gerar altos níveis de estresse e ansiedade, especialmente entre aqueles que sentem que não estão à altura das expectativas (Mijs, 2021).
Vejam, embora não seja um sistema perfeito, a meritocracia oferece um modelo valioso para promover justiça social e eficiência econômica. Ao focar na igualdade de oportunidades e na recompensa pelo mérito, ela incentiva o desempenho individual e a inovação.
No entanto, para que a meritocracia realize seu potencial, é essencial abordar e mitigar as desigualdades estruturais que impedem a verdadeira igualdade de oportunidades. Devemos entender que o sistema meritocrático, em essência, busca exatamente eliminar essa desigualdades; mas, para isso, é preciso tratar cada questão de forma independente , evitando misturar conceitos.
Afinal, a falta de uma educação de qualidade não deve ser um motivo para rejeitar a ideia de um processo meritocrático. Caso contrário, jamais veríamos pessoas que pertenceram a uma camada minoritária da sociedade alcançando posições de liderança, poder, destaque acadêmico ou social.
É nesse contexto que defendo o processo meritocrático, pois ele pode expor as desigualdades existentes em uma sociedade, como as que vemos no Brasil. Isso nos permite corrigir erros – mas só poderemos proceder assim se não matarmos o mensageiro.
Até a próxima!
Referências
Bell, D. (1972). *The Coming of Post-Industrial Society: A Venture in Social Forecasting*. Basic Books.
Littler, J. (2018). *Against Meritocracy: Culture, Power and Myths of Mobility*. Routledge.
Mijs, J. J. B. (2021). The paradox of inequality: income inequality and belief in meritocracy go hand in hand. *Socio-Economic Review, 19*(1), 7-35.
Sandell, R. (2007). Meritocracy: A Critique. *Political Theory, 35*(5), 654-663. Young, M. (1958). *The Rise of the Meritocracy*. Thames & Hudson.