O Jornal de Brasília estreia a Coluna Três Poderes. Um espaço que trará semanalmente entrevistas com personagens que integram o Executivo, o Legislativo e o Judiciário na capital da República. Através da coluna, o leitor poderá saber mais sobre temas e fatos relevantes relacionados à política nacional. O nosso primeiro entrevistado é o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias. Ele nos recebeu para uma conversa em que falou sobre os desafios enfrentados pela pasta, o combate às fraudes nos programas sociais e sobre os projetos que o ministério pretende colocar em prática.
Quais são os principais desafios enfrentados pelo senhor na pasta até o momento?
Eu diria que o principal desafio hoje é o orçamento. E veja, não estou falando dos recursos destinados aos benefícios como o Bolsa Família, o BPC (Benefício de Prestação Continuada) ou o Auxílio Gás. O que preocupa são os programas do MDS voltados para a chamada média e alta complexidade da assistência social. Nesse contexto, a população em situação de rua se apresenta, sem dúvida, como um dos maiores desafios. Precisamos, enquanto avançamos no enfrentamento da fome e da pobreza, também voltar o olhar com atenção especial para situações que exigem respostas urgentes e articuladas. Tanto a população em situação de rua quanto os povos indígenas precisam estar no centro da agenda de prioridades. Isso exige integração de políticas, articulação entre ministérios, estados, municípios e também o setor privado, além, é claro, da garantia de recursos suficientes para assegurar ações com começo, meio e fim.
Nesse terceiro ano de governo Lula, o Brasil tem tido conquistas importantes em relação ao desenvolvimento e assistência social. O que o senhor destacaria nesse sentido?
O Brasil tem se destacado mundialmente no combate à fome. Quando o presidente Lula reassumiu o governo, havia 33,1 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave. Em dois anos, esse número foi reduzido em cerca de 85%, contribuindo para que a América Latina e o Caribe registrassem a maior redução global nesse campo. Mas o avanço não se limita à fome: há uma forte integração das políticas sociais com saúde, educação e trabalho, promovendo a superação da pobreza e da extrema pobreza. A redução da extrema pobreza é expressiva: de 9% da população em 2021, para cerca de 4% atualmente – índice ainda mais baixo que os 5,2% registrados em 2014. A pobreza também caiu de 36,7% para cerca de 25%, e a desigualdade social atingiu seu menor nível histórico, com o índice de Gini em 0,518 em 2023. Além disso, o Brasil tem retomado a valorização do trabalho formal. Somente em 2023 e 2024, 16,5 milhões de issões foram registradas no Caged, com 98,8% do saldo positivo de empregos em 2024 concentrados entre beneficiários do Bolsa Família e do Cadastro Único. Isso mostra que as pessoas querem trabalhar, mas com dignidade – e que o Bolsa Família, ao garantir o mínimo necessário, protege os mais vulneráveis da exploração e incentiva a busca por emprego decente. O governo também tem promovido o empreendedorismo, com o programa Acredita, que oferece qualificação, assistência técnica e o a crédito com juros reduzidos. Com apoio de fundos garantidores, beneficiários podem abrir pequenos negócios com taxas íveis – por exemplo, 8,75% ao ano no Banco do Nordeste e 0,5% ao ano no campo via Pronaf, com possibilidade de descontos de até 40% para quem aplica bem os recursos. Com essas estratégias, o Brasil avança para sair novamente do mapa da fome e reduzir a pobreza a níveis historicamente baixos. O país segue no caminho certo, integrando inclusão social e desenvolvimento econômico.
O combate às fraudes nos programas sociais tem ganhado atenção especial do Ministério. O senhor tem ideia de quanto essas fraudes já causaram prejuízo aos cofres públicos?

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Durante o governo anterior, o Auxílio Brasil foi alvo de denúncias de uso eleitoreiro e práticas fraudulentas. Investigações apontaram o desmonte do Cadastro Único e do sistema de cartões, substituídos por um aplicativo que permitiu o ingresso de pessoas que não preenchiam os critérios exigidos. Casos de Fs falsos, dados forjados e manipulação de renda foram identificados, favorecendo fraudes em troca de votos, enquanto muitas famílias que realmente tinham direito ao benefício ficaram de fora. Ao reassumir, o governo federal reestruturou a rede nacional de fiscalização dos programas sociais, integrando MDS, AGU, CGU, Polícia Federal, TCU e tribunais de contas estaduais. O trabalho resultou no cancelamento de 4,1 milhões de benefícios irregulares e permitiu, por outro lado, o o de quem realmente precisava, por meio da busca ativa em todo o país. Essa reestruturação teve impacto direto na redução da fome e na desnutrição, além de promover a inclusão socioeconômica. O novo Bolsa Família ou a estimular o trabalho e o empreendedorismo, reforçando seu caráter transitório como ferramenta de proteção social. Graças a esse esforço, além de ampliar a cobertura para quem realmente precisa, o governo projeta uma economia de R$ 7,7 bilhões até 2025, recursos que poderão ser investidos em outras áreas prioritárias para a população brasileira. Vale ressaltar que o crescimento da fome e da desnutrição nos últimos anos foi reflexo direto do desmonte das políticas sociais e do aumento das fraudes. Ao reassumir, o governo atuou em duas frentes: combateu as irregularidades e, ao mesmo tempo, ampliou o o aos benefícios para quem realmente precisava, por meio da busca ativa em todo o país. Os resultados estão aí: fome em queda, inclusão socioeconômica em expansão e mais eficiência no uso dos recursos públicos. O novo Bolsa Família foi redesenhado para ir além da proteção emergencial: hoje, é também um instrumento de estímulo ao trabalho e ao empreendedorismo. Com isso, além de garantir segurança alimentar e dignidade, o programa contribui para movimentar a economia. A prova está nos números — enquanto o orçamento de 2023 previa R$ 175 bilhões para o programa, o redesenho e a maior focalização devem gerar uma economia estimada de R$ 7,7 bilhões até 2025.
O senhor revelou recentemente que há indícios de que beneficiários do Bolsa Família tiveram seus Fs utilizados em sites de apostas sem consentimento. Há algum plano para se evitar este tipo de ocorrência?
Sim, infelizmente os indícios foram confirmados a partir da atuação da nossa rede presente em todos os municípios do país. A partir disso, formalizamos um pedido de investigação à Polícia Federal, com base no relatório divulgado pelo Banco Central, em articulação com o TCU e a própria PF. As apurações comprovaram que houve uso indevido de Fs de pessoas cadastradas no Cadastro Único e no Bolsa Família para a realização de apostas, possivelmente com indícios de lavagem de dinheiro, dado o volume incompatível com a realidade financeira dessas famílias. Adotamos imediatamente medidas para coibir essa prática, incluindo o cancelamento do uso de cartões de crédito vinculados aos benefícios. Para se ter uma ideia, enquanto 52% dos brasileiros afirmam jogar, entre os beneficiários do Bolsa Família com cartão ativo, apenas 3,4% foram identificados nessa situação. Além da investigação e das ações de controle, também estamos atuando na conscientização e no acolhimento de pessoas que desenvolveram dependência em relação aos jogos. Para isso, temos mobilizado a rede de saúde e a rede socioassistencial, garantindo o o a tratamento adequado.
O senhor, como presidente mundial do Conselho da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, prevê que o presidente Trump possa criar dificuldades na criação de medidas para erradicação da pobreza no mundo?
A aplicação de tarifas sobre alimentos tem causado impactos preocupantes no cenário global, elevando os preços e provocando instabilidade. Entre os efeitos está o aumento da estocagem por parte de países com maior capacidade econômica, o que desorganiza ainda mais o abastecimento. Fiz esse alerta durante a reunião do Conselho Gestor da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, destacando a necessidade de proteger países que sofreram cortes nos investimentos sociais – muitos deles dependentes de ajuda humanitária internacional, como os recursos antes fornecidos pelos Estados Unidos. A Aliança já iniciou ações concretas com os primeiros 17 países, distribuídos por todas as regiões do mundo. O foco é ampliar a cooperação internacional por meio do apoio dos países mais desenvolvidos, que se prontificaram a oferecer ajuda financeira, conhecimento técnico, equipes especializadas e linhas de financiamento. Estamos promovendo um conjunto de propostas comprovadamente eficazes, como programas de alimentação escolar integrados à agricultura familiar, o uso de cadastros sociais como o Cadastro Único, a transferência de renda por meio de programas como o Bolsa Família, além de iniciativas de qualificação para o trabalho e estímulo ao empreendedorismo. Também são prioridades os investimentos em saúde e educação, além do cuidado com a primeira infância, pessoas com deficiência e idosos — pilares fundamentais da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, aprovada e liderada pelo presidente Lula. O compromisso da Aliança é contribuir para que o mundo avance de forma concreta na erradicação da pobreza e da fome até 2030, alinhando-se aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Os objetivos 1 e 2 – erradicar a pobreza e acabar com a fome – só serão alcançados se houver solidariedade internacional, especialmente no apoio a países da América Central, Caribe, África e mundo árabe. O mundo já produz alimentos em quantidade suficiente para todos – o desafio agora é garantir que esse alimento chegue a quem precisa, com justiça e cooperação.
O senhor tem para os próximos meses de sua gestão algum projeto especial ou iniciativa que pretenda colocar em prática?
Trabalhar de forma prioritária no fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é fundamental para garantir proteção social à população mais vulnerável. Assim como na saúde temos a rede básica – com UBS, agentes comunitários e equipes do Programa Saúde da Família –, na assistência social contamos com os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializados (CREAS), que precisam ter atenção especial voltada à população em situação de rua. Embora o Brasil esteja avançando na redução da fome, da insegurança alimentar, da extrema pobreza e da pobreza, ainda convivemos com um cenário alarmante de pessoas vivendo nas ruas. Por isso, neste início de ano, lançamos a expansão das Cozinhas Solidárias. Elas são mais do que espaços de alimentação – são pontos de acolhimento e abordagem humanizada, com foco em convencer, e não coagir, as pessoas a saírem das ruas. A estratégia envolve abrigo, aluguel social, inserção no programa Minha Casa Minha Vida – que agora prioriza esse público –, além de qualificação profissional e incentivo ao emprego e ao empreendedorismo. As cozinhas também têm papel estratégico na reinserção social, incluindo capacitação da própria população em situação de rua para atuar na gestão dessas unidades e como agentes sociais de segurança alimentar. Um exemplo inspirador vem da favela de Heliópolis, em São Paulo. Em 2023, no coração de uma cracolândia, foi implantada uma Cozinha Solidária. Foi ali que João, em situação de rua e dependente químico, começou a mudar de vida. Após frequentar o espaço, aceitou participar de um curso de qualificação, cuidou da saúde e se destacou como cozinheiro. Com apoio da organização Mover Helipa e de chefs parceiros, João foi contratado pelo renomado restaurante D.O.M. e hoje é chef e educador em gastronomia, formando outras pessoas em situação de rua. Esse é apenas um dos milhares de exemplos concretos que mostram que, com acolhimento, oportunidade e políticas públicas bem estruturadas, é possível transformar vidas. E é isso que estamos fazendo: construindo caminhos reais de dignidade e inclusão para quem mais precisa.
Em recente reunião do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento], o senhor defendeu a agilidade nos sistemas de proteção social diante de crises. O Cadastro único foi citado como exemplo brasileiro. Seria uma das soluções?
O Cadastro Único tem se consolidado como uma referência mundial em políticas sociais. Reconhecido internacionalmente, ele foi citado como exemplo brasileiro em diversos fóruns globais. O Brasil não apenas utiliza essa ferramenta com eficácia, mas também coopera com outros países interessados em adotar modelos semelhantes de proteção social. Recentemente, o governo federal fez um forte investimento na modernização do Cadastro Único, ampliando sua eficiência tanto para alcançar pessoas que têm direito aos benefícios e ainda estão fora da rede de proteção, quanto para combater fraudes. O Cadastro funciona como o “cérebro” da política social: com dados qualificados e bem geridos, é possível alcançar melhores resultados no combate à fome e à pobreza. O Brasil tem assumido um papel ativo na cooperação internacional, especialmente com países do Sul Global. Nos próximos meses, realizaremos agendas de intercâmbio com ministros de países africanos, promovendo a troca de experiências. Também em setembro, sob a presidência do Brasil na comunidade de países da América Latina e Caribe, será realizada a Conferência Social Preparatória para o Fórum de Doha, com destaque para o tema da erradicação da pobreza. Nesses espaços, o Brasil tem compartilhado experiências bem-sucedidas como o modelo de transferência de renda condicionada à saúde, à educação e ao trabalho, a alimentação escolar integrada à agricultura familiar e o uso estratégico do Cadastro Único como base para políticas públicas. Como país que vem cumprindo suas metas e contribuindo para a redução da fome e da pobreza, o Brasil reafirma seu compromisso com a solidariedade internacional e a cooperação técnica — especialmente em um cenário global de retrocessos sociais. E como já afirmou o Papa Francisco, defensor incansável dos mais pobres, “a fome no mundo é um escândalo e um crime contra os direitos humanos”. Este é o espírito que guia nossa atuação: transformar indignação em ação, com políticas públicas que respeitem a dignidade humana.
Perdemos recentemente o Papa Francisco, que tinha entre as suas bandeiras a defesa dos mais pobres e a luta contra a erradicação da fome no mundo. Certa vez o papa Francisco disse que a fome no mundo é um escândalo e um crime contra os direitos humanos. O que o senhor espera do novo papa em questões como pobreza e fome no mundo?
Tive o privilégio de estar com o papa Francisco em três ocasiões. A primeira, ainda como governador do Piauí, em um encontro marcado por um diálogo profundo sobre a importância da Amazônia e das populações que ali vivem. Conversamos sobre a necessidade de integrar o social, o ambiental e o econômico – algo que hoje já se reflete em diversos programas sociais do governo brasileiro, como o Floresta Produtiva, voltado à recuperação de áreas degradadas e ao aproveitamento sustentável das riquezas da floresta, como o açaí, o cupuaçu, o guaraná e o cacau. Na segunda vez, novamente o papa manifestou grande iração e apoio à luta contra a fome e a pobreza – uma causa que sempre foi central em seu pontificado. Na terceira e última vez em que estive com ele, acompanhado da primeira-dama Janja, ela entregou pessoalmente uma carta do presidente Lula, reafirmando o compromisso do Brasil com a justiça social, a solidariedade e o enfrentamento das desigualdades. Peço a Deus que o novo papa siga o exemplo de Francisco: um líder que fez da luta contra a fome, a pobreza e a intolerância uma missão. Um papa que nunca se afastou do povo e sempre escolheu estar ao lado de quem mais precisa. Temos, ao redor do mundo, muitas lideranças importantes. Fiquei particularmente animado ao ver, entre tantos nomes, o destaque de Dom Sérgio, que já foi bispo em Brasília e atualmente está na Bahia. Quando assumiu o bispado, foi ainda no estado do Piauí. Trata-se de uma pessoa extremamente preparada, dedicada, discreta e que abraça com firmeza e sensibilidade causas sociais fundamentais. Seu compromisso com os que mais precisam o torna uma referência de liderança serena e transformadora.