
“Acabo de prometer que cumprirei, na íntegra, a Constituição e não vejo razão porque esse dispositivo seja ignorado. Se for eleito, construirei a nova capital e farei a mudança da sede do governo”, ex-presidente Juscelino Kubitschek em resposta ao questionamento de Antônio Soares Neto, o Toniquinho, durante comício em Jataí (GO) realizado em 4 de abril de 1955. A frase citada acima é descrita por JK em seu livro “Por que construí Brasília”.
Enquanto JK e Juarez Távora disputavam a eleição presidencial em 1955 – a qual consagrou Kubitschek o 21º Presidente do Brasil -, os trabalhos para transferência da capital para o interior seguiam em os turbulentos. O presidente Café Filho havia assumido a presidência do país após o suicídio de Getúlio Vargas ocorrido em em 24 de agosto de 1954 – como visto na reportagem de ontem – e ficado encarregado em seguir com os projetos para a mudança da sede do governo para o Planalto Central.
Com os cinco locais possíveis para se construir a nova capital definidos pela empresa Donald J. Belcher – relatado na reportagem anterior -, coube a Comissão de Localização da Nova Capital Federal, liderada pelo marechal José Pessoa, definir o sítio ideal para se instalar a nova capital. Após análises internas, a comissão chegou a escolha do sítio Castanho, onde atualmente está Brasília.

Tudo seguia bem, até que ao apresentar o local para Café Filho, o marechal José Pessoa foi surpreendido com a decisão do presidente de não desapropriar as terras de Goiás que foram escolhidas para ser a nova capital. A decisão do mandatário foi tomada após consultar o seu partido, União Democrática Nacional (UDN), que era contrário à transferência da capital para o interior.
Não satisfeito com a decisão do Café Filho, o marechal José Pessoa viaja até Goiás, onde é recebido, a portas fechadas, no dia 30 de abril de 1955, pelo governador goiano José Ludovico de Almeida, também chamado Juca Ludovico. Como o chefe do Executivo de Goiás era a favor que a capital fosse transferida para o interior, ele assume a responsabilidade de desapropriar as terras, sendo nenhum custo para o Governo Federal.
Após a desapropriação das terras, em mais uma tentativa de convencer Café Filho a seguir com os planos da construção da nova capital e batizar a cidade de Vera Cruz, José Pessoa solicita que o governo de Goiás instale uma cruz no ponto mais alto do lugar escolhido para ser construída a cidade, onde atualmente é a Praça do Cruzeiro. Ficou encarregado do trabalho o vice-governador do estado, Bernardo Sayão. Mas nada vingou, nem o nome nem a construção da capital na gestão de Café Filho.

“Cumprirei rigorosamente a Constituição”
Tinha tudo para estagnar em 1955 a ideia de transferência da capital para o Planalto Central, mas em 4 de abril de 1955 – como mencionado acima – o candidato às eleições daquele ano, Juscelino Kubitschek, realiza um comício em Jataí, no Goiás, e promete perante ao povo construir a nova capital do Brasil e fazer a transferência da sede do governo do Rio de Janeiro para o Planalto Central.
Com tudo pronto para iniciar a construção, era o que a história ansiava, um gestor comprometido, integralmente, com a transferência da capital. Atualmente, a pergunta de Toniquinho é questionada, se foi espontânea ou plantada por JK. Na sua obra, “Por que construí Brasília”, Kubitschek afirma que até aquele momento não tinha pensado em transferir a capital para o interior, justificando que já possuía seu programa de metas, e nada constava sobre a construção da nova cidade.
De fato, a construção da nova capital não estava no programa de metas de JK, que possuía 30 metas, e com Brasília ou a ter 31, sendo a capital a meta-síntese. Para o historiador Elias Manoel da Silva a pergunta não foi plantada por Kubitschek ou por sua equipe de campanha. “Não foi armação. O Toniquinho estava estudando para concurso público, ele disse em uma entrevista que me concedeu que perguntou porque sabia várias coisas da constituição, dentre elas sobre a transferência da capital para o interior”, explicou.

Outro fato é que na época da Constituinte de 1946, a qual trouxe de volta o artigo que previa a transferência da capital para o Planalto Central, Kubitschek já tinha se manifestado a favor da mudança, mas nesse caso para o triângulo mineiro, não para as terras de Goiás. Ou seja, JK estava inteirado da mudança da capital para o interior.
“JK sabia do que se tratava a pergunta, mas sabemos que ele não tinha colocado ainda a mudança da capital nas suas metas. Se ele já pensasse desde o início [na transferência da capital] teria colocado a meta 31. Mas foi colocada apenas depois do comício [da pergunta de Toniquinho], por isso eu não acredito em armação. Seria mais fácil ter colocado antes, se de fato ele pensasse na opção. Na minha visão como historiador, não bate a história do complô”, ressaltou o Silva.
Criação da Novacap
JK ganha as eleições contra Juarez Távora e assume a presidência em 1956, dando início aos planos de construção de Brasília. O cenário político da época não era favorável para Kubitschek, visto que na Câmara dos Deputados havia muita oposição ao projeto de construção de uma capital no Planalto Central, sendo principalmente liderado pelo partido político da União Democrática Nacional (UDN), cujo líder era Carlos Lacerda.
Dessa forma, JK se vê dentro de uma “sinuca de bico”, ao perceber que seria impossível construir uma capital apenas em um governo, nos moldes normais, dependendo sempre da aprovação da Câmara dos Deputados. Para driblar a situação, Kubitschek pede para que o advogado San Tiago Dantas elabore um projeto em que o poder Executivo tenha total autonomia para construir a nova capital.

Do projeto de San Tiago Dantas, surge a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), empresa pública responsável em construir Brasília. Dessa forma, JK dribla os primeiros problemas políticos, visto que precisava apenas que o Congresso Nacional aprovasse a criação da empresa, sem precisar recorrer ao mesmo para cada nova etapa da construção da nova capital.
“A Novacap é uma sugestão que tornou possível Brasília”, salientou o historiador Elias Manoel da Silva. O Congresso Nacional aprovou a criação da Novacap e em 19 de setembro de 1956 a empresa, oficialmente, tornou-se real. A diretoria da companhia, que seria nomeada por JK, teria plenos poderes para construir a nova capital, sem que fosse necessário nova audiência na Câmara e no Senado Federal. O diretor da empresa, escolhido pelo presidente, foi o político e engenheiro Israel Pinheiro.
No mês seguinte da criação da Novacap, JK pisa pela primeira vez no local onde seria construída a nova capital do Brasil. A visita ocorreu no dia 2 de outubro de 1956. “Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino”, impressão de Kubitschek da região que viria a ser Brasília descrita em seu livro “Por que construí Brasília”.
O concurso público
O primeiro ano do governo JK foi para firmar a estratégia de como a capital seria construída, o que foi feito com excelência com a criação da Novacap – empresa com total autonomia, inclusive de verba. Além disso, 1956 também foi marcado pela criação do concurso público que escolheria o projeto urbanístico de Brasília.
Poucos sabem, mas a vontade de JK era que o arquiteto Oscar Niemeyer elaborasse o projeto urbanístico da nova capital. Inclusive, o convite foi feito a Niemeyer pelo próprio presidente. Porém, Niemeyer não aceitou e propôs a criação de um concurso público nacional, somente com representantes brasileiros, para a escolha do projeto urbanístico. E ele, como arquiteto, ficaria responsável pela concepção dos edifícios da nova capital.

O concurso público é aberto, e são apresentados 26 projetos, cujo vencedor foi o arquiteto e urbanista Lúcio Costa. Sabe-se que Lúcio Costa não pretendia participar do concurso, tanto que apresentou o seu projeto no dia limite e em poucas páginas (cerca de 20 páginas), comparado aos demais concorrentes que tinham mais de 200 páginas.
“Ele [Lúcio Costa] ganhou justamente pela objetividade e racionalidade feita em poucas páginas. Mais ainda, ele entregou um projeto viável de construção no período que se tinha [de três anos e cinco meses]”, ressaltou a historiadora do Arquivo Público, Cecília Mombelli. Na época, questionou-se a vitória de Lúcio Costa, mas nada vingou, como sabe-se, o Plano Piloto é fruto do projeto de Lúcio Costa.
Em 1957, o vencedor do concurso público é anunciado como sendo Lúcio Costa, com o seu famoso projeto que parte da ideia de uma cruz. Porém, o mesmo não aceita executar o projeto e indica Augusto Guimarães Filho para tirar Brasília do papel, ou seja, ser o executor da obra. Nesse período, Costa é contratado pela Novacap apenas como consultor do projeto.
Detalhe, Guimarães Filho não pisa no Planalto Central para construir Brasília, todas as decisões ele toma do Rio de Janeiro. Quem de fato coloca a cidade no chão, junto com os candangos, é a equipe de topografia estabelecida em Brasília liderada pelo engenheiro Joffe Parada. Do Rio para Brasília é estabelecido uma comunicação entre as duas equipes, de execução e de topografia, para que assim seja possível iniciar a construção.
“A equipe de Joffe Parada coloca no chão todo o projeto executado por Guimarães Filho, cujo projeto foi idealizado por Lúcio Costa”, frisou o historiador Elias Silva. Inclusive, foi o líder da equipe de topografia que fincou a Estaca Zero de Brasília em abril de 1957, após Guimarães Filho não encontrar ninguém que pudesse fazer isso.

Catetinho e Catetão
Antes da Estaca Zero, em 10 de novembro de 1956, foi inaugurado o Catetinho, primeira residência oficial de JK, que serviu de apoio para que a equipe do presidente e da Novacap pudessem tocar as obras de Brasília. Mas uma curiosidade: ao lado do Catetinho, pouco tempo depois da sua inauguração, foi criado o Catetão – demolido após a inauguração do Palácio da Alvorada, em 30 de junho de 1958 – que era muito mais usado como moradia por JK.
“JK nunca morou no Catetinho, ele dormiu apenas algumas noites, e logo em seguida foi construído o Catetinho 2 ou Catetão com concreto, maior e mais acolhedor. No Catetão que JK realmente ficava. Quem usava o Catetinho de fato era Israel Pinheiro [diretor da Novacap] e os demais diretores da companhia”, recordou Silva. O Cetetão foi um pedido do próprio presidente, para poder instalar-se melhor e receber outras autoridades.