
Coincidentemente, no mês em que Brasília celebra seu 65º aniversário, um casal homoafetivo de estilistas viralizou no TikTok ao apresentar uma coleção de vestidos de alta moda com formas arredondadas e curvas sinuosas. As peças, criadas pelo Atelier Sacramound, evocam o espírito modernista das obras de Oscar Niemeyer e homenageiam a arquitetura icônica da capital federal.
Inspirados nos monumentos de Brasília — como a Ponte JK, a Catedral, o Museu Nacional e a charmosa Igrejinha —, os estilistas Felipe Manzoli e Mackenzo traduzem a arquitetura da capital em peças únicas. Vista de cima, a cidade revela suas asas: Sul e Norte. De perto, transforma-se em paraíso criativo, refletido em cada traço, volume e movimento das criações do ateliê.

Do flerte à firma
Essas são as criações que representam Brasília, o paraíso, pelos estilistas Felipe Manzoli, de 28 anos, e Mackenzo, de 26 anos. Eles formam um casal apaixonado pela moda e pela arte de ressignificar símbolos religiosos. A história dos dois começou pelas redes sociais, quando Felipe e Mackenzo se conheceram no Instagram, onde trocaram algumas mensagens mais descontraídas.
O que começou como um flerte, no entanto, revelou algo mais profundo: ambos compartilhavam não só afinidades pessoais, mas também profissionais, sendo os dois do ramo da moda. Há três anos, o Atelier Sacramound tomou forma. O nome é uma mistura de referências religiosas e pessoais. Inspirada pelas raízes familiares de ambos — Felipe, vindo de uma família italiana, católica, e Mackenzo, criado em uma família evangélica —, a marca lida com a dualidade do sagrado e do profano, do céu e do inferno, do bem e do mal.

Felipe é natural de Planaltina, enquanto Mackenzo nasceu e cresceu em Samambaia Sul. Ambos são brasilienses e orgulhosos de suas raízes. Apoiados pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC), eles apresentam uma coleção inspirada na clássica obra de Dante Alighieri, A Divina Comédia, que percorre os caminhos do Paraíso, do Purgatório e do Inferno.
“O projeto em si é um projeto do FAC. A gente chama de Portais da Eternidade: Dimensões Espirituais, e ele é baseado na obra de Dante Alighieri, que é A Divina Comédia — que vem com Paraíso, Purgatório e Inferno”, explica Felipe.
“Nós resolvemos retratar o nosso paraíso como sendo Brasília! É onde tiramos nosso ganha-pão, é a nossa cidade, é um lugar que nós amamos. E tem essa questão do céu de Brasília também ser o nosso cartão-postal”, conta Mackenzo, destacando a beleza do céu da capital federal, amplamente reconhecido e quase sobrenatural em sua grandiosidade.
A arquitetura da cidade também serviu como inspiração. Mackenzo relembra um trecho específico da Divina Comédia que os tocou profundamente: “Tem uma agem no livro em que, assim que Dante chega ao alto do céu, no último pátio, ele olha e vê a organização, a perfeição de Deus. E foi essa parte que nos fez remeter à organização de Brasília, porque é uma vista de cima, né? Forma Asa Sul e Norte, a questão das quadras, a organização… Isso nos remeteu a essa ideia de perfeição. Foi esse o clique que nos fez querer honrar nossa cidade”, afirma o casal.

A confecção das obras
“A criação, para a gente, foi um pouco complicada, porque estamos acostumados a fazer um tipo de roupa que valoriza o corpo”, explicam os estilistas. “A partir do momento em que essa roupa se torna tridimensional para representar um monumento, a modelagem precisa ser muito mais precisa. A gente teve que fazer cálculos enormes, lidar com raio, pi… tudo para alcançar o formato do museu, por exemplo”, detalha Felipe.
Segundo eles, o processo exigiu diversos testes até que o resultado fosse alcançado. “Todas as peças aram por vários protótipos até a gente chegar ao efeito visual que tem hoje. A ideia era representar os monumentos de forma didática, de um jeito que qualquer pessoa, mesmo quem nunca veio a Brasília, pudesse reconhecer visualmente — e, quem sabe, se interessar em visitar pessoalmente.”
“Queremos mostrar que nós, brasileiros, também temos uma mão de obra excelente e ideias incríveis. Essa parte que o Felipe comentou, sobre a roupa estar se abrindo, aconteceu porque tivemos que procurar outros materiais para substituir os que não encontramos aqui em Brasília. Infelizmente, faltam recursos que são fundamentais para a confecção dessas peças, então tivemos que nos adaptar”, afirmam.

A coleção – Portais da Eternidade
Com 15 looks divididos em três blocos — Paraíso, Purgatório e Inferno —, a coleção Portais da Eternidade – Ato 1 levou um ano para ser produzida. Cada fase conta com cinco peças exclusivas e altamente detalhadas, com destaque para o trabalho manual.
“Foi realmente muito trabalhoso. A parte de modelagem, costura, bordados… tudo é feito à mão, com muito cuidado. A gente quis trazer a sensação das texturas que se vê, por exemplo, no Museu Nacional, para o tecido”, conta Felipe.
O vestido do Museu Nacional foi inspirado na grandiosidade silenciosa dos espaços expositivos. O look remete a uma obra de arte tridimensional. A silhueta bulbosa do vestido, com volume central cravejado de pedrarias aplicadas manualmente, contrasta com a saia lápis minimalista e o corpo justo. As mangas caídas, como alças estruturadas, evocam os arcos arquitetônicos de um museu imaginário. O bordado delicado, feito à mão, adiciona um toque de preciosidade à peça, equilibrando força e fragilidade.
Enquanto o vestido da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima estimula o imaginário celestial, a figura alongada do vestido em cetim bucol ganha potência com um véu dramático, salpicado por minúsculas pérolas, e um chapéu escultural que remete ao icônico teto da Igrejinha de Brasília. O ápice da técnica manual aparece no corset bordado com 700 espelhos em formato de vitral, que cintilam sobre o busto da modelo como uma catedral de luz. A base em cetim, perfeitamente drapeada, sustenta a imponência da peça superior como se o corpo fosse transformado em monumento.

No look da Ponte JK, dinamismo e sofisticação orgânica se fundem nesta criação que homenageia a arquitetura modernista da capital. O top é estruturado com arcos arqueados que remetem à Ponte JK, elevando-se dos ombros como asas ou antenas, com aplicações sutis de pedrarias feitas à mão. A saia lápis, novamente presente, funciona como um contrapeso minimalista à exuberância do top, criando harmonia entre forma e leveza.
Já no vestido que representa a Asa Sul e a Asa Norte, a parte superior do look molda o corpo em cetim bucol, destacando-se pelo recorte central cravejado de pedrarias, que delineiam, como pontos de luz, o coração da peça. Do centro do busto emergem duas estruturas translúcidas que se curvam para fora como asas abertas — representação literal das asas Sul e Norte do Plano Piloto. A saia é um espetáculo à parte: 150 metros de tule branco, cortados em círculos e aplicados manualmente, formam camadas que evocam mapas em relevo e topografias aéreas. Uma nuvem em movimento, que transforma o leve em grandioso.
Os próximos looks da coleção trarão o Purgatório, inspirado no Barroco Brasileiro, e o Inferno como temáticas centrais. As peças do Purgatório já estão prontas e começam a ser divulgadas nas redes sociais nas próximas semanas, com referências ao barroco e respeito aos símbolos religiosos. Já as criações do Inferno estão em fase final e serão lançadas em breve.
Ao escolher a capital como símbolo do céu, os estilistas não apenas valorizam suas raízes, mas também provocam uma reflexão sobre pertencimento, identidade e a potência criativa que nasce no Centro-Oeste. “Queremos que nosso trabalho sirva como convite: para que as pessoas redescubram Brasília, valorizem a arte feita aqui e enxerguem que o Brasil também produz alta moda com qualidade e profundidade”, resume o casal.