Pedalar ou caminhar pela Ceilândia tem se tornado uma experiência das mais agradáveis. Não apenas pelo cenário urbano que apresenta ao morador e ao visitante lugares como a Caixa D’água, símbolo da cidade, e a irada Casa do Cantador, mas pelos desenhos e cores fortes em fachadas, muros e pontos de ônibus, especialmente no Setor P Sul.
E um dos maiores responsáveis é o artista visual Douglas Fonseca, 41 anos. Grafiteiro desde a adolescência, Kordyal, como é conhecido no meio, é uma das maiores referências da arte urbana na cidade. Com o seu talento e várias latas de tinta, ele vem transformando a paisagem na comunidade onde mora em um ambiente mais colorido e alegre.
Reconhecido nas ruas do P Sul, onde mora com a esposa e as duas filhas, Kordyal é constantemente procurado por empresários locais com o intuito de contratá-lo para pintar suas fachadas. Ele faz da arte o seu sustento. Há alguns anos, ele também foi descoberto pelo Governo do Distrito Federal para registrar sua arte em diversos pontos de ônibus espalhados por todo o DF e em outros equipamentos da cidade, como abrigos e outros prédios públicos.
“O retorno das pessoas é o que me estimula a continuar a agregar valor cultural para a nossa cidade. O meu objetivo é democratizar a cultura e levar beleza para o olhar de cada cidadão”, conta o artista.
Sempre atento aos espaços “sem vida”, ele percorre toda a cidade para transformar o concreto opressor em ambientes mais alegres. Preencher a vida das pessoas com mais cor é uma das missões do artista. Mas ele também usa a arte para manifestar seus anseios e expressar suas opiniões com traços e tintas.
Por isso, ele criou a “Flaip”, uma representação feminina da “Mãe Natureza” que inspira o cuidado com o meio ambiente e a sustentabilidade. Em uma das intervenções que mostrou à reportagem, Kordyal pintou ao lado da Flaip, a palavra love (amor em inglês) que, segundo ele, é o que “o mundo mais precisa”.
A aposentada Maria Luiza de Aquino viu o artista pintando a parada de ônibus onde ela estava e elogiou a iniciativa. “Parabéns pelo seu trabalho. Porque precisamos de pessoas que engrandecem a gente e é o que você está fazendo”, agradeceu.
Além de caixas de luz, de telefone, pontos de ônibus e fachadas, Douglas Kordyal enfeitou o Skate Park, também no P Sul, com desenhos alusivos ao Halloween. Ele chama atenção, no entanto, à falta de manutenção no local. O mato está alto e começando a cobrir a pintura.
Incentivo
O grafite é um quatro elementos do Hip Hop (Rap, DJ, Breakdance) e uma das principais formas de manifestação da arte urbana. Transforma a cidade em galeria a céu aberto, colore o cinza claustrofóbico e estimula reflexões sobre diversos temas políticos e sociais.
Há quem acredite que o grafite nasceu ainda no Império Romano, mas só se popularizou nos anos 70, nos Estados Unidos. Chegou ao Brasil logo depois com mais força em São Paulo.
Mas o Distrito Federal é o pioneiro no reconhecimento dos artistas do grafite. Em 2018, o GDF instituiu a Política de Valorização do Grafite pelo Decreto Distrital 39.174 que prevê diversas ações para promover e incentivar a arte urbana por toda a capital.
Uma delas foi a criação do Comitê Permanente do Grafite, formado por membros do governo e da sociedade civil para elaborar políticas públicas para o setor, recuperar espaços públicos, gerar oportunidades remuneradas para os artistas locais e implementar a cultura do grafite no DF.
De acordo com a Secretaria de Cultura e Economia Criativa, nos primeiros quatro anos do governo atual (2019 a 2022), foram investidos R$ 450 mil apenas em cachês para 287 artistas urbanos de 26 regiões istrativas e duas cidades do Entorno, Águas Lindas e Luziânia.
Pichação x Grafite
Apesar do reconhecimento e dos investimentos, o grafite ainda é alvo de algum preconceito por ser confundido com a pichação. Há quem o confunda com vandalismo e poluição visual. Mas grafite e pichação são completamente diferentes. Enquanto a pichação usa palavras e s apenas para demarcar território, sem a autorização dos proprietários, o grafite é uma expressão artística e que é contratada por empresários, pelo governo local, ou doados pelo próprio artista para valorizar a cultura do grafite.
E essa confusão pode causar alguns transtornos aos artistas de rua que, em certos momentos, são abordados pela polícia enquanto desenham e pintam pela cidade. “Já aconteceu sim de eu ser abordado por policiais pedindo para ver a autorização para a pintura. Mas algumas vezes, não temos uma autorização formal de algum órgão e respondemos até processo apenas por estarmos deixando a cidade mais bonita”, lamenta. Segundo Douglas Kordyal, é imprescindível que os policiais saibam diferenciar o pichador, do artista.
Kordyal revela que ele mesmo começou no “picho”, quando ainda era criança, mas que descobriu na arte, um meio de expressão e de ganhar a vida. E, por isso, ele usa essa experiência para inspirar os jovens a migrarem para o grafite. “Tenho um projeto de levar o grafite para as escolas e estimular as crianças a seguirem pelo caminho da arte”, conclui.