O diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) Daniel Pereira foi o entrevistado do JBr Entrevista — o podcast do Jornal de Brasília — desta semana. Membro do colegiado responsável por determinar as políticas de fiscalização, autorização e regulação de produtos de saúde e beleza, além de imunizantes, ele falou sobre os novos os da autarquia e do combate a desinformação.
Como funciona a Anvisa?
A Anvisa é uma agência reguladora federal responsável por coordenar o sistema de vigilância sanitária de todo o Brasil, além do registro, fiscalização e monitoramento dos setores regulados pela agência. São eles: medicamentos, produtos biológicos, para a saúde, cosméticos, agrotóxicos, tabaco, serviço de saúde, entre outros. Logo se vê que trata-se de um objeto grande e que está presente na vida das pessoas.
Com um leque de atuação tão grande, como a Anvisa tem se estruturado?
A agência precisa de uma estrutura maior, mais robusta para conseguir superar todos esses desafios. A gente vem trabalhando junto ao governo para trazer mais estrutura para a Anvisa, tanto de pessoal, quanto orçamentária, de estrutura física. Mas muito já vem sendo feito no monitoramento de produtos, como o exemplo [episódio] do creme dental.
E como se dá essa fiscalização?
A fiscalização da Anvisa começa desde o início do produto, pois quando isso ocorre já é feita uma análise de qualidade daquele produto, para saber se ele possui potencial de gerar algum dano. Depois disso vem o pós-registro, quando a gente observa o comportamento do produto no mercado, caso haja algum registro de que o produto não está desempenhando o que se dispôs a fazer, a agência entra com o braço fiscalizatório, que suspende a produção, retira ele das prateleiras. Tudo isso tem o objetivos de resguardar a saúde da população brasileira.
A Anvisa cumpriu um papel fundamental na pandemia de covid-19, mas a imunização vem sofrendo com notícias falsas. Como a agência tem atuado?
Todas as vacinas aprovadas pela Anvisa são seguras, de qualidade e eficazes. O processo de registro de uma vacina é muito complexo e muito detalhado. Então, quando um produto é submetido a registro, ele é avaliado com alto crivo técnico e, quando de fato ele é aprovado, a população pode confiar. A agência tem trabalhado para trazer cada vez mais produtos para o Brasil. As vacinas são produtos inovadores e o processo se torna complexo, pois eles desafiam as regras atuais que temos. Aprovamos, recentemente, uma política de inovação para dar um maior conforto para os detentores de registros trazerem cada vez mais produtos para a agência.
E como combater a desinformação?
A agência se dedica muito a se comunicar com a população através das nossas redes sociais, dos nossos canais na internet, de eventos que realizamos para conscientizar a população sobre a qualidade desses produtos e da qualidade deles.
Vocês sentiram que há uma maior desconfiança da população ao ponto de ter que aumentar a comunicação?

Acredito que a queda se deu pela não sensação de dano. A geração anterior à nossa cresceu com várias doenças que se precisava tomar a vacina, então a conscientização era maior. A nossa geração não tinha contato com algumas doenças, como as que estão voltando. Faltou essa sensação de perigo para as pessoas se vacinarem. Isso a gente observou durante a pandemia de covid. Quando ela veio, todo mundo se vacinou, porque veio essa sensação de perigo. Mas, mesmo antes da pandemia, já estávamos com essa redução na vacinação.
As fake news contra as vacinas prejudicaram o combate à covid?
De fato, informações que são vinculadas de forma inverídica, que criam algum tipo de desconforto nas pessoas. Hoje com os canais de internet, a população deve observar os canais oficiais tanto da Anvisa quanto do Ministério da Saúde para ter a melhor informação possível.
Como a Anvisa vem tratando as inovações de mercado?
Os produtos da agência sempre foram vendidos nessas “caixinhas” de medicamentos, produtos biológicos, cosméticos. A inovação chegou com tanta força que esses produtos não se encaixam de forma precisa nelas. Há produtos chegando agora, que basicamente você pega o material biológico e faz a medicação genética e reinjeta no paciente. Isso desafia toda a lógica de medicamentos. O mercado evoluiu muito. De fato, muita coisa vem chegando de forma nova. O mercado de produtos regulamentados pela Anvisa tem muito apetite para a inovação, tanto no Brasil quanto no mundo. Nosso papel é da cada vez mais dar conforto para os produtores, trazendo mais inovações e conforto para a nossa população. Esse é um trabalho árduo para compatibilizar essas novas fronteiras da inovação.
Em que ponto o brasileiro precisa estar mais atento?
De forma geral, o brasileiro tem que estar atento ao rótulo e a bula dos produtos. Temos um processo de trabalho que é comunicar através da rotulagem. Ficou famosa, recentemente, a rotulagem de alimentos com a descrição dos produtos com alto teor de sódio, de açúcar. Isso é uma medida que a agência tomou para comunicar a população os riscos eminentes daquele produto. Não cabe a Anvisa proibir algum produto, salvo se ele de fato está causando um dano muito grande, mas sim fazer os alertas.
Como a Anvisa tem observado o novo boom de remédios para emagrecimento?
Esses são produtos muito inovadores, com alto valor agregado, custo alto, mas que são analisados sob o mesmo olhar técnicos de qualquer medicamento. Os produtos analisados pela Anvisa tem total segurança e eficácia para uso. Mas, todos esses produtos são submetidos a prescrição médica, que vai acompanhar o paciente durante essa utilização. Temos observado alguns alertas de uso sem prescrição médica. Temos observado a utilização off lab muito alta, casos de pancreatite devido ao uso prolongado sem a realização de exames. A população pode constatar que o produto é de qualidade, mas precisa ser prescrito e acompanhado por um médico durante sua utilização.
Como é feita a fiscalização de cosméticos?
O setor de cosméticos é um ativo para o Brasil. Temos empresas renomadas a nível mundial, uma carga genética fantástica. Quando fui visitar uma dessas empresas que fabricava shampoo me disseram: “Daniel, aqui a gente consegue testar todos os tipos de cabelo, desde o cabelo mais crespo ao mais liso”. Temos uma fauna e uma flora muito rica que nos permite termos mais produtos e isso é ressaltado nos números econômicos. Dos setores regulados pela Anvisa é o único superavitário. É muito importante a gente se conscientizar sobre a atenção detalhada à rotulagem desses cosméticos para verificar a composição, para saber se você tem algumas alergia, se tem indisposição àqueles componentes, e os alertas que a Anvisa faz.
E o que fazer quando esses sinais aparecerem?
Temos um canal que a gente lançou de notificação de efeitos adversos de cosméticos, chamado Notvisa, que é onde a gente vai colher, de fato, a opinião da população sobre aquele produto. A gente faz a análise prévia, mas o monitoramento é tão importante quanto. O caso mais emblemático foi com o creme dental, do qual recebemos muitas notificações. Isso que gerou o alerta da agência.
A força de trabalho da Anvisa supre a demanda?
Há 20 anos, tínhamos cerca de 2.500 servidores. Hoje temos cerca de 1.400 servidores ativos, o que é uma incoerência do modelo de negócio, porque todas as empresas cresceram, as petições aumentaram, novos produtos chagam com mais frequência e o número de pessoas na Anvisa diminuiu. Isso ocorre porque temos cerca de 1.600 cargos aprovados na lei da Anvisa que nos limita que cresçamos mais do que isso. Tínhamos 2.500 porque herdamos servidores de carreiras extintas, que ficaram nos auxiliando. São servidores de maior idade, de cargos extintos do governo federal e, naturalmente, eles foram se aposentando e a força de trabalho minguando.
A agência tem a mesma estrutura que tinha em 1999, tanto de pessoas quanto cargos em comissão. A gente precisa adequar e modernizar essa estrutura. São dois processos separados: um é chamar, ainda este ano, pelo menos mais 100% do número de vagas e o outro o aumento do número de vagas para trazer, cada vez mais, servidores para a agência e fazer mais entregas para a população.
Sabemos que o concurso do ano ado ainda não teve todas as vagas chamadas. Há a possibilidade de outro concurso por agora?
Hoje o que temos de cargos aprovados na Anvisa e cerca de 1.600 cargos. Com o último concurso, sobraram cerca de 90 cargos para a gente ter a possibilidade de provê-los. Nossa prioridade é colocar cada vez mais pessoas de carreira, como eu sou de carreira de agência reguladora. Estamos negociando junto ao governo federal para trazer do concurso atual, que ainda está em andamento chamar pelo menos 100% do número de vagas que ele prevê. Foram 50 vagas e estamos trabalhando para, ainda este ano, chamar pelo menos mais 50 vagas, sem prejuízo de a gente negocie um aumento de cargos na agência, que é importante para adequar a agência ao mercado atual.
O déficit é grande?
Vou fazer um paralelo. A área de medicamentos da agência americana tem cerca de 8 mil pessoas. A Anvisa tem cerca de 140. Claro que os Estados Unidos têm um tamanho muito grande, mas se vê o tamanho da desproporção. De fato isso gera uma dificuldade para a gente. Muitas vezes queremos ter uma posição mais proativa, aumentar o número de fiscalizações, melhorar o monitoramento e a gente não consegue por falta de pessoas, literalmente.
E onde esse gargalo tem sido um problema?
Uma dificuldade que temos observado é em relação à internet. Hoje, ela é um canal que chega muito rápido até a população e nem sempre essa informação que vai é confiável. O monitoramento de rede social é muito complexo, porque um digital influencer que fala de um produto no canal dele e a Anvisa não consegue estar em todos os lugares. Talvez esse, hoje, seja um dos maiores desafios: a gente conseguir garantir o que é seguro de verdade para a população tendo milhares de outros interlocutores dando informações que necessariamente não são verídicas. A Anvisa já tem um processo de monitoramento muito forte, mas [a internet] é um mundo. Eu reforço: qualquer dúvida de qualquer produto que seja anunciado por um digital influencer, por um canal que não tenha uma legitimidade, alguém que não seja médico ou um profissional de saúde e que a população fique na dúvida, entre nos canais da Anvisa e busque informação. Ali você encontra os produtos registrados, os alertas de produtos no mercado, outros retirados.
A Anvisa é uma diretoria colegiada, o que vocês tem a apresentar de novidade?
Hoje temos apenas três diretores — dos cinco — da diretoria colegiada. Há quase dois anos estamos sem um diretor por falta de indicação. Estamos com a expectativa que, até o próximo mês, nós conseguiremos receber os novos diretores. As mensagens foram publicadas no Diário Oficial da União, mas eles ainda precisam ar pela sabatina — do Senado Federal. Quando temos a estrutura de diretores completa, conseguimos tocar os projetos de médio e longo prazo, pois como fazer uma modificação em uma área grande se a gente não sabe como o diretor que vai chegar pensa sobre ela. Temos muitos problemas e, falando como diretor, quando temos mais ombros para carregar os problemas é sempre melhor.