PAULO EDUARDO DIAS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
A Justiça de São Paulo incluiu, no final de maio, no processo que investiga a morte da adolescente Victória Manoelly dos Santos, 16, as imagens registradas pelas câmeras corporais utilizadas pelos policiais militares presentes na ocorrência.
Victória for morta por um tiro disparado pelo sargento Thiago Guerra, 39, durante uma abordagem ao irmão dela, Kauê Alexandre dos Santos Lima, 21, na noite de 9 de janeiro na rua Capitão Pucci, em Guaianases, na zona leste de São Paulo.
A câmera corporal do sargento Guerra registrou parte da ação sem áudio. O som tem início segundos antes da coronhada em Kauê e do tiro que atingiu Victória. A adolescente estava ao lado do irmão ao ser baleada. A imagem também mostra o desespero do jovem ao notar a irmã ferida. Os policiais o algemam e colocam no porta malas de uma viatura.
No total, a imagem tem 36 minutos. Em outro trecho do vídeo o sargento se afasta com um outro policial do local e conta sobre a abordagem.
Em maio, houve a primeira audiência do caso. “Sentimentos de uma perda muito grande. Saudades, tristeza e esperando pela justiça”, disse Vanessa Priscila Dos Santos, mãe de Victória, nesta segunda-feira (2) para a reportagem. Ela, que estava próxima dos filhos no momento do tiro, consta como assistente de acusação no processo.
Guerra, que ingressou na PM em 2006, está preso desde o crime. Em seu interrogatório na madrugada do dia 10, contou que estava em patrulhamento quando ouviu um pedido de apoio de outra equipe da PM pelo rádio após um roubo no entorno da estação de Guaianases da TM. No local apontado encontrou um adolescente já detido. O policial presente na ocorrência apontou para suspeitos do outro lado da praça. O casal que corria eram justamente Victória e Kauê.
De acordo com Guerra, ele correu em direção ao local informado, para tentar realizar a abordagem dos dois. O jovem estaria com a mãos na cintura, afirmando que não seria abordado. Conforme o PM, ao tentar realizar busca pessoal, o irmão de Victória deu um tapa em sua mão na tentativa de fugir da abordagem, e então ocorreu o disparo.
O suspeito detido, um adolescente de 17 anos, assumiu o assalto a um homem para comprar drogas. Ele negou a participação dos irmãos.
Na delegacia Kauê relatou que chamou sua atenção ver um menino correndo pela rua com policiais atrás.
Foi nesse momento que resolveu, junto de Victória, ir até a praça ver o que estava acontecendo. Ele narrou que um policial militar surgiu e ou a interpelar ele e a irmã. “Que durante a discussão, o policial militar agarrou a gola da sua camiseta e apontou a arma para o seu rosto, logo em seguida puxando-o com força e acertando uma coronhada na sua cabeça. Que no momento da coronhada a arma do policial disparou e acertou sua irmã.”
Foi justamente o vídeo disponibilizado em arquivo pelo Tribunal de Justiça no final de maio que levou o delegado Victor Sáfadi Maricato a prender o PM em flagrante.
Maricato, que estava de plantão naquela madrugada no 50º DP (Itaim Paulista), aguardou a chegada na delegacia de um superior de Guerra, um tenente, para poder assistir as imagens da câmera. Não fica claro onde ele conseguiu ver as imagens. Ao analisar por diversas vezes o conteúdo, Maricato entendeu que Guerra assumiu o risco de matar ao atingir Kauê uma coronhada na cabeça.
O delegado pediu uma cópia do vídeo, o que não foi autorizado. O policial militar também não deixou que fosse filmada a tela onde a imagem era assistida.
“É cediço que golpe com a coronha da arma de fogo (‘coronhadas’) não correspondem às doutrinas das Polícias Brasileiras, de maneira que quem assim age, muito embora não tenha o dolo direto como intenção, assume o risco de produzir o resultado, agindo com dolo eventual”, escreveu o delegado no boletim de ocorrência.
Mesmo com sucessivos pedidos de revogação da prisão preventiva feitos pela defesa do sargento, o promotor Eduardo Olavo Neves Canto Neto e o juiz Renan Oliveira Zanetti têm se mostrado contrários à medida.