Menu
Economia

Brasil quer entrar na produção de aço verde da Alemanha

Na primeira leva desse mercado, é provável que os europeus importem o hidrogênio verde do Brasil e que toda a produção de aço ocorra em solo europeu. Mas o governo brasileiro argumenta que essa logística traria custos superiores às indústrias do continente

Redação Jornal de Brasília

20/03/2025 13h32

produção de aço

Foto: Ina Fassbender/AFP

PEDRO LOVISI
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS)

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, comandado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, tenta convencer siderúrgicas e governo alemães a incluir o Brasil na produção de aço feito com hidrogênio verde. O movimento faz parte da estratégia do governo brasileiro de desenvolver a cadeia de valor do combustível do futuro e não exportar apenas o insumo energético para os europeus.

O hidrogênio verde é tido pelos europeus como a principal alternativa a combustíveis fósseis em setores ultraintensivos em energia, como a fabricação de aço, vidro e fertilizantes. Ele é feito a partir da separação das moléculas de água em um processo movido por energia limpa.

Há, porém, ainda pouca produção do insumo no mundo devido a seu custo elevado. No Brasil, a maior parte dos projetos visa exportação para a Europa, que deve abrigar o primeiro grande mercado do combustível.

Mas o governo brasileiro quer que os europeus importem mais do que o hidrogênio verde. Uma das soluções levantadas pelo Mdic seria a possibilidade de siderúrgicas alemãs importarem de fornecedores brasileiros o insumo intermediário em uma das rotas de produção de aço, conhecido como HBI (sigla para Hot Briquetted Iron).

Esse insumo é feito a partir da redução do minério de ferro com hidrogênio e sua produção antecede a fabricação de aço nos fornos elétricos -rota conhecida como redução direta. Hoje em dia, esse processo é feito com gás natural, o que acaba liberando carbono na atmosfera (gás responsável pelo aquecimento global). Já a rota mais tradicional na produção de aço usa carvão como redutor do minério, liberando ainda mais carbono na atmosfera.

Na primeira leva desse mercado, é provável que os europeus importem o hidrogênio verde do Brasil e que toda a produção de aço ocorra em solo europeu. Mas o governo brasileiro argumenta que essa logística traria custos superiores às indústrias do continente.

Isso acontece porque não há hoje formas íveis de transportar o hidrogênio para a Europa. Assim, o combustível precisaria ser convertido em amônia no Brasil e reconvertido em hidrogênio nos portos europeus -causando desperdício de energia.

Nessa lógica, o governo brasileiro tenta convencer os europeus de que é mais vantajoso importar produtos com maior valor agregado do que o próprio hidrogênio verde. Essa ideia foi discutida durante um evento na Embaixada do Brasil em Berlim nesta quinta-feira (20) organizado junto com o Instituto E+ -a Alemanha é a maior produtora de aço da Europa.

Um estudo feito por um pesquisador alemão e apresentado durante o evento apontou que as siderúrgicas alemãs podem economizar entre 8,7% e 31,5% se realocarem suas etapas de produção para países ricos em energia renovável, como o Brasil. A pesquisa leva em conta o consumo e o preço de energia nesses países e na Alemanha.

O cálculo considera a produção de aço semiacabado fora da Alemanha, um produto posterior ao HBI na cadeia do aço. No cenário de apenas produção do HBI nesses países, o ganho seria de 12,9%.

O estudo, publicado na revista Nature Energy, ainda fez análises para o setor de ureia e etileno. No caso do aço, ele observa que Brasil e Suécia seriam os principais potenciais países exportadores.

“Se a indústria alemã produzir um aço sustentável mais barato no Brasil, o custo de produção de BMW e Mercedes, por exemplo, será muito mais baixo. O Brasil tem a produção de minério de ferro e tem potencial de produzir hidrogênio verde, então qual é o sentido de exportar esses dois para depois importar?”, questiona Francisco Paiva Avelino, diretor de descarbonização do MDIC.

“A Alemanha não consegue produzir energia renovável o suficiente para dar conta da sua indústria. Então, se o objetivo deles é transacionar para uma economia verde e renovável, eles vão ter que procurar outros lugares onde essa energia é mais barata para produzir”, acrescenta.

Na Alemanha, porém, essa migração poderia trazer consequências políticas, inclusive já mensuradas pelo governo alemão e pelas siderúrgicas do país. É provável que o deslocamento de parte da produção alemã para outro país cause descontentamento de parte dos trabalhadores alemães, já bastante afetados com movimentações industriais causadas pela transição energética -principalmente no setor automotivo.

Quem participa de fóruns especializados diz que o governo alemão considera o tema estratégico para o país e que ao menos parte da produção de HBI precisa ser feita na Alemanha. O próximo primeiro-ministro da Alemanha, Friedrich Merz, aliás, é cético quanto à transição da indústria alemã para o hidrogênio verde e já defendeu a captura de carbono como alternativa.

Philipp Verpoort, o autor do estudo apresentado pelo governo brasileiro em Berlim, pontua que o governo alemão se preocupa com a possibilidade de os demais países desenvolverem suas cadeias de valor e se tornarem concorrentes das indústrias alemãs.

“A Alemanha é muito boa em engenharia, inovação, pesquisa e know-how, e o Brasil é ótimo em o à energia renovável, então há uma oportunidade de focar o que somos bons e terceirizarmos aquelas em que não somos. Mas então há uma preocupação da indústria e de políticos da Alemanha de que o Brasil, por exemplo, aprenda a avançar na cadeia de valor”, diz. “Portanto, o risco de uma reação política é bastante grande, mas é importante ter uma colaboração justa e estabelecer padrões justos e acordos comerciais justos”.

O jornalista viajou a convite do Ministério de Relações Exteriores da Alemanha

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado