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Mundo

França discute por que o papa trocou a Notre-Dame de Paris pela da Córsega

Francisco, ausente na reabertura da famosa catedral, participa uma semana depois de congresso sobre piedade popular na ilha sa do Mediterrâneo

Redação Jornal de Brasília

15/12/2024 18h36

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Foto: AFP

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS)

Uma semana depois de ser ausência sentida na reabertura da Notre-Dame, em Paris, o papa Francisco celebrou missa na Notre-Dame-de-l’Assomption, na pequena Ajaccio, a capital da Córsega. Neste domingo (15), a população de 350 mil habitantes da ilha sa no Mediterrâneo, acostumada a só crescer no verão, disparou em pleno inverno. Até Emmanuel Macron deu um jeito de aparecer por lá.

A escolha do pontífice rendeu longas discussões na França neste fim de semana. Por que Francisco abriu mão do momento de maior atenção da Igreja Católica no ano? A reabertura da catedral, recuperada com rigor histórico e estético após o incêndio de 2019, com ao menos 80 chefes de Estado e transmissão ao vivo para boa parte do planeta. Para depois participar de um congresso sobre piedade popular em local relativamente remoto do país?

O Vaticano explicou que Francisco tinha agenda já marcada com cardeais no último fim de semana. Uma mensagem sua foi lida na primeira missa regular na catedral parisiense, no domingo (8): “Que o renascimento desta irável igreja constitua um sinal profético da renovação da Igreja na França”.

Outro comunicado, mais eloquente, antecipava sua presença na Córsega, dias depois. Causou espécie a redação da nota, que conseguiu evitar a palavra “França”.

Francisco parece ter algumas diferenças com o país. No ano ado, pouco antes de uma visita de dois dias à Marselha, declarou que iria visitar a cidade, “não a França”. Em 2016, criticou a laicidade sa, para ele “incompleta”. “Resulta às vezes demais da filosofia do Iluminismo, para a qual as religiões eram uma subcultura.”

Na mesma entrevista, a católicos ses, ponderou que “a laicidade saudável compreende uma abertura a todas as formas de transcendência”. Neste domingo, voltou ao tema e defendeu um conceito de laicidade que não seja estático e rígido, mas “evolutivo e dinâmico”. Uma laicidade “capaz de se adaptar a situações diferentes ou imprevistas”.

O Estado laico é um dos pilares da República sa, e Francisco o vê como uma necessidade nos dias atuais. Preocupa-se, porém, com “julgamentos ideológicos que às vezes ainda hoje opõem a cultura cristã e a cultura laica”, afirmou na Córsega.

Seu temor é que a piedade popular, a que fez parte de sua formação na América do Sul e à qual dedica boa parte de seu papado, possa ser instrumentalizada “por grupos que pretendem reforçar sua identidade de maneira polêmica, alimentando particularismos, oposições, atitudes de exclusão”. Uma evidente alusão a grupos e políticos de direita e extrema direita.

Em artigo no Le Monde, o teólogo François Euvé lembra que Francisco tem especial predileção pelo Mediterrâneo, “lugar de fronteira”, que reúne “várias temáticas que lhe são caras: as migrações, as relações entre as religiões –especialmente o islamismo–, as desigualdades sociais”. “Ao ‘centro’ (Notre-Dame de Paris), ele prefere as ‘periferias’.”

E se o papa não vai ao “centro”, ele veio ao seu encontro. Em uma manobra de última hora, Emmanuel Macron voou para Córsega e se encontrou com Francisco já no fim do dia, no aeroporto Napoleão Bonaparte, em Ajaccio –o imperador francês é filho ilustre da ilha. O presidente lhe trouxe um presente com sabor de recado, o livro oficial sobre a recuperação da Notre-Dame de Paris.

O catolicismo ainda é a maior religião da França, com 29% da população. Eram 85%, há meio século. Na “periferia”, como escreve Euvé, a Córsega registra 80% de devotos. As escolhas do papa seguem uma lógica.

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