Por Marcos Linhares, Adriana Kortland e Marcelo Capucci
Especial para o Jornal de Brasília
– Tá bom. É que… Sem querer, eu fiquei sabendo que meu Giaco… Quer dizer, que o Giaco está de conversa com uma mulher desconhecida.
– Mulher desconhecida??? Meu Giaco não é pra qualquer biscateira!!! Comentou Layla, interrompendo a fala de Suzana.
– Ela se chama Nonata, nunca ouvi falar. Aí, eu pensei… Talvez a senhora soubesse de algo… Completou Suzana, fazendo voz de tímida.
– Adoraria saber, mas meu filho é um túmulo. Ô, minha filha, eu sei que ele é especial pra você, mas tenho que ter muito jeitinho. E olha que eu tô de olho. Vou sempre lá na casa dele, como quem não quer nada, que é pra ver se tem alguma coisa diferente. Meu Giaco é um doce. Mas se ele se sentir controlado, vira uma fera. Você lembra da época da Chiara, né?!
– Claro que lembro. Ele me contou tudo, meses ouvindo aquele nome, Chiara pra cá, Chiara pra lá. Ninguém pensa nisso, mas foi difícil para mim também!
– Querida… Eu sei o quanto você aguentou. O Giaco ficou um trapo quando Chiara se foi. Parecia que nunca mais iria se interessar por outra pessoa. Até o hospital ele quis largar. Se não fosse por você… Aliás, você sabe o quanto o prefeito e eu sonhamos com esta união. A sua família e a nossa, nós temos estirpe, podemos fazer maravilhas juntos! Só que desta vez as coisas têm que ser de outro jeito. Quando eu fui empurrando o Giaco para a Chiara, eles eram jovens, ingênuos. Hoje é diferente…
Suzana interveio::
– Entendo… Mas o Giaco não pode nem sonhar que eu sei da tal Nonata! Ele não entende meus planos. Eu quero que ele fique bem, seguro. Se ele precisar se tratar, que seja no Albert Einstein, ou nos Estados Unidos, não é mesmo? Dona Layla… Eu posso dar tudo para ele, dinheiro, tudo! A senhora sabe muito bem que eu trabalho só porque gosto…
– E pra ficar perto dele, né minha filha">
– É… Mas, agora, apareceu essa tal de Nonata!
Dona Layla tentou acalmar a enfermeira chefe:
– Acalme o seu coração, que homem é assim mesmo, sempre correndo atrás de um rabo de saia. Se tem uma coisa que a minha mãe me ensinou foi esta frase: “Layla. Não procure. Quem procura, acha!” Vou ver o que eu posso fazer. Vou dar um pulo na casa dele, como quem não quer nada, levando uma comidinha gostosa… Só que vou esquecer meu celular aqui em casa. Aí, peço para usar o dele e dou uma olhada.
Com olhinhos brilhando, Suzana completou:
– Ótimo! Vou ficar no hospital até ele sair, aí ligo para a senhora, avisando. Mas, pode demorar um pouco. A coisa está ficando feia por lá. A UTI está quase lotada. A gente tem algumas baixas no corpo médico e entre os enfermeiros também.
– É mesmo? Sabe, é tanta notícia diferente que a gente ouve por aí… Meu marido não acredita nesta pandemia. Diz que é coisa da China, um vírus de laboratório para dominar o mundo.
– Hmm… Eu sou cautelosa com as notícias. Tem muita fake news circulando. Eu sei é que, mesmo se for exagero, nosso sistema de saúde não tem margem nem para lidar de forma decente com um surto de influenza. Imagine a senhora que as pessoas lá de Tamarindos…
– Sabia! Lá vem o seu lado Madre Teresa de Calcutá…
– É sério, Dona Layla. As pessoas estão ando fome. A minha avó contava que quando ela era criança ficava às vezes dois dias sem comer, e que…
Layla interrompeu, quase rude:
– Mas já ou, né?! Ela era trabalhadeira, casou bem, os dois tinham jeito para fazer dinheiro. Olha o que eles deixaram pros herdeiros!
– Está certo. ou! A senhora acha que o prefeito está disponível agora para o teste?, desconversou Suzana.
– a lá. Vou ligar pra ele. Você, ele recebe.
Susana entrou no carro, fechou as portas, mas não deu a partida imediatamente. Uma cascata incontrolável de cenas embaralhadas invadiu sua mente, resvalou para o seu corpo e ela ligou o ar condicionado a todo vapor, como se quisesse esfriar as ideias. Parecia inerte, mas pensamentos e emoções sem controle a sufocavam. Imaginar que seu Giaco pudesse ser roubado a levava à loucura. – Sim, meu, posse, ele é meu!!!, dizia Suzana para si mesma, quando finalmente girou a chave na ignição. – Mas, eu não vou deixar que me tomem meu Giaco!, continuou ela, o monólogo, enquanto dirigia pelas ruas da “ilha das mansões”, assim era conhecido informalmente o bairro privilegiado onde ela, os Brecchia e a nata da sociedade local moravam. Ilha, porque cercada de pobreza por todos os lados, realidade que sempre incomodou Suzana. Às custas de negócios lícitos, ilícitos e da ampla zona cinzenta entre os dois, seus avós tinham migrado para a “ilha”, tão perto, mas tão inalcançável para a maioria da população. Ao parar no sinal da rua que delimitava os dois mundos, olhando as casas humildes, Suzana se lembrou de sua avó, aquela que a acalentou como mãe e foi arrancada de sua vida por uma tuberculose não tratada.
– “Nunca esqueça de onde você veio e ajude esse povo”. Essas foram as últimas palavras da avó para Suzana, que agora estacionava o carro e, tirando algumas sacolas de roupas que não usaria mais, apesar de quase novas, foi ao encontro de uma senhora que vendia balas na esquina.
CONTINUA NA PRÓXIMA TERÇA-FEIRA