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Literatura

Livro-reportagem sobre tragédia de Brumadinho traz histórias difíceis de contar, diz autor

A obra conta um dos maiores desastre com rejeitos de mineração do país, a partir da investigação da Polícia Federal

Agência UniCeub

19/11/2019 19h55

Atualizada 20/11/2019 9h50

Mariana Fraga
Jornal de Brasília/Agência UniCEUB

“Brumadinho: a engenharia de um crime”. Assim os jornalistas Lucas Ragazzi e Murilo Rocha nomeiam o livro-reportagem sobre o rompimento da barragem da Mina do Feijão, em 25 de janeiro deste ano, que deixou 270 vítimas entre mortos e desaparecidos. A obra conta um dos maiores desastre com rejeitos de mineração do país, a partir da investigação da Polícia Federal, além de entrevistas com especialistas, pessoa envolvidas, vítimas e familiares. O livro também relembra a tragédia de Mariana, que completou quatro anos neste mês, e apontou as semelhanças entre o rompimento das duas barragens de Minas Gerais.  “Esse livro é uma denúncia e um registro histórico de uma tragédia que não podemos esquecer”, disse Ragazzi, em entrevista para a Agência de Notícias.

Você já estava participando da cobertura da tragédia de Brumadinho pelo jornal O Tempo?  De onde surgiu a ideia de transformar a cobertura essa cobertura em um livro?

Eu estava morando em Brasília pelo jornal o tempo como repórter de política. Quando aconteceu a tragédia de Brumadinho. Não pude estar presente fisicamente em todos os dias da cobertura na cidade, mas eu ajudei muito na cobertura fazendo o diálogo com a Polícia Federal para a investigação, para ministério público e com fontes. Em abril, eu estava almoçando com um dos delegados e ele foi contando os bastidores, contando os rumos da investigação e eram coisas que ele pedia para não publicar no jornal ainda porque estava em curso de investigação. Aí pensei: “poxa, isso dá um livro. Tem muita informação boa e coisa diferente da cobertura do dia a dia da tragédia e ele gostou da ideia”. 

Eu comuniquei ao Murilo Rocha, que na época era o meu chefe e editor executivo do jornal O Tempo, para ser autor do livro junto comigo. A gente tomou um café com o delegado, que na época era o Rodrigo Teixeira, ele era o superintendente da Polícia Federal em Minas Gerais, e a gente fechou essa ideia de fazer um livro-reportagem, contar as histórias da investigação, dia a dia sobre bastidores. Começamos no dia 15 de abril e entregamos o livro no dia 23 de setembro. Foi um tiro curto, madrugadas adentro, madrugadas em claro com muita leitura e muita entrevista, a gente está lançando esse livro reportagem agora e eu estou muito satisfeito com o resultado final.  

Como foi o processo de apuração para a produção do livro?

 A gente ou a acompanhar de perto as investigações, ler relatórios, ler material, fazer muitas entrevistas com os integrantes da Força Tarefa da investigação e foi nascendo aos poucos. Para a gente não ficar muito preso na investigação também, com é um livro-reportagem, a gente fez a nossa própria investigação, a nossa própria apuração. 

Fomos atrás de personagens, vítimas, de familiares, de gente da mineradora, das consultoras. Entrevistamos um professor lá dos EUA, que a TÜV SUD, a consultora da barragem, usou um estudo dele para falar que mesmo a barragem não cumprindo o requisito de segurança, ela era viável. Mas o professor disse de forma exclusiva para a gente que a tese dele nunca afirmou nada sobre fator de segurança de barragem, como a TÜV SUD colocava e essa foi uma apuração que na época a própria Polícia Federal pediu para a gente enviar a entrevista para eles porque eles não tinham conseguido desse professor e acabou que o livro também ajudou na investigação.

Quais foram as  a dificuldades no processo de apuração e escrita do livro? 

Eu cito duas dificuldades que a gente teve. O presidente do inquérito, o delegado Luiz Augusto Pessoa, foi uma das principais fontes do livro e é uma pessoa muito correta, tem que exaltar isso no sentido jurídico, porque a gente teve muito respeito com as informações sigilosas e os segredos de justiça. Então, a gente teve o aos documentos, muitas vezes nessa impossibilidade de publicar e como jornalista, é difícil a gente guardar isso do jornal. No entanto, a gente pensava sempre no livro e nessa responsabilidade de apenas ter o quando não pudesse embaraçar as investigações, quando não pudesse cometer uma ilegalidade. 

Outra dificuldade foi linguajar técnico. Às vezes, nem só do direito, mas também da engenharia. A gente teve que recorrer não só aos delegados e aos peritos da PF, mas também fontes de fora como engenheiros e especialistas em geotecnia para entender alguns processos, para entender termos que tratavam nos relatórios, nas trocas de emails internos da Vale e da TUV SUD. A gente procurou professores de Engenharia de Minas, de Geologia. Então foi um trabalho de entender para conseguir dar a informação correta, traduzida para que o grande clube entendesse.    

Como foi entrar em contato com os familiares da vítimas ? 

Foi um trabalho muito delicado porque e a gente prezou muito pelo respeito à memória e ao luto dessas famílias das vítimas. Então a gente sempre se aproximava de uma forma e falava: olha, a gente está contando a história desse crime, que vai ser muito importante para o futuro, para a gente contar e não deixar isso esquecer. Mas tiveram familiares que pediram para não participar, ainda dói muito. Teve familiar que se abriu completamente e contou histórias muito trágicas, muito difíceis de ouvir, de contar. Tiveram fontes que choravam de lá e a gente chorava de cá.  

Eu cito uma de uma família que perdeu o irmão e pode enterrar só o pé do irmão. Ela disse: “Meus pais não sabem que é só pé, eles acham que lá estava todo o corpo ali. Mas eu não tive coragem de contar porque eles sofrem muito”. Depois da entrevista, a gente ligou para a pessoa e perguntou se gente realmente podia usar a história no livro já os seus pais dela não sabiam. Mas aí a pessoa responde que sim, que seria importante para entenderem o tamanho da dor dos familiares. Acho que os capítulos que a gente conta essas histórias é até uma homenagem e faz com que a histórias dessas vítimas não seja esquecida e marca o tanto de dor que esse crime causou.

Você contextualiza com o rompimento da barragem de Mariana? Em sua apuração, você identificou semelhanças com as duas tragédias?

A gente abre o livro argumentando: é inaceitável ter ocorrido  Brumadinho, em pouco tempo depois do que ocorreu em Mariana. Os paralelos entre os dois crimes são muito recorrentes, a gente tem que voltar em Mariana muitas vezes. Tem um capítulo dedicado à investigação de Mariana sobre o que aconteceu e a que ponto que está hoje a questão jurídica de Mariana. Como que a Vale atuou depois de Mariana até Brumadinho. Temos capítulos dedicados a isso para entender mesmo um panorama, um cenário completo dessa tragédia de Brumadinho. 

As semelhanças entre os dois rompimentos são incontáveis. A negligência, o sistema de omissão. A a da barragem de Mariana era a San Marco, mas era controlada pela Vale e pela Anglo American. As semelhanças são muito grandes, incluindo personagens. O mesmo diretor técnico da barragem de Mariana também atuava nessa mina de brumadinho. O próprio crime também é igual. Eu acredito que a San Marco  os diretores nem foram indiciados por falsidade ideológica, como em Brumadinho foi, mas a gente vê várias semelhanças no processo de licenciamento e gestão daquelas barragens. Eu acho que o livro expõe bem isso para entender como isso aconteceu de novo.    

Por que é um crime?

No processo de produção do livro reportagem de Brumadinho foi importante a gente não ter uma postura de caçar bruxas. É claro que foi um crime que ocorreu e a gente remete a isso explicando como foi esse crime, mas também a gente teve o cuidado de respeitar a investigação, o que prega a constituição e a lei. As pessoas devem ser responsabilizadas por isso como diz a lei, sem exacerbar por coletivismo. Então, é um livro que tem um certo cuidado para não sair fazendo pré julgamentos. A revolta é muito grande, mas a gente também não pode muito externar isso livro.

Não tomamos um lado. Como foi contado pela perspectiva da Polícia Federal o foi indiciado por falsidade ideológica, documentos falso e pelo crime de homicídio, é um título que condiz com a realidade dos fatos. Eles foram indiciados por um crime, não é uma opinião nossa que foi uma engenharia de um crime. É um fato. Se a justiça vai tomar uma ação e vai punir esse crime, a gente não pode dizer, mas foi indiciado pela polícia.

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